quarta-feira, 25 de junho de 2008

O Gângster

Já não se fazem mais filmes como antigamente. Essa foi a certeza que tive quando assisti a O Gângster. Por mais clichê que possa parecer o comentário, ele é o que melhor define a obra. “Já não se fazem mais filmes como antigamente”. A frase devia estar exposta no pôster assinada por algum crítico meia-boca de algum jornal ou revista de renome do país. O Gângster é o tipo de filme raro hoje em dia. Do tipo adulto, cerebral, linear e envolvente. Mais ou menos do tipo que se fazia nos anos 1970, onde os cineastas pariam arte, mesmo nadando contra a corrente do correto; onde se faziam filmes com amor, mesmo contra as imposições dos estúdios e ainda eram um sucesso. O Gângster não é um mero retrato daquela época, ele é daquela época em todos os sentidos. E justamente por este motivo dá pra perceber que, iguais a ele, já não se fazem mais como antigamente.

Uma das coisas interessantes de O Gângster é que você assisti a dois filmes pelo preço de um. Não são só duas histórias que seguem paralelas e se encontram depois de 135 minutos de projeção, são realmente dois filmes distintos. No comando de um, está Denzel Washington como o mafioso Frank Lucas; no do outro, Russell Crowe como o policial incorruptível Richie Roberts. O único elo entre os dois “longas”, mesmo que involuntário, é um surpreendente Josh Brolin. Rapaz, o cara está sensacional. Com um bigodão a la Danny Trejo, voz possante e atuação assustadora (no bom sentido), ele consegue ser ameaçador e peita Washington e Crowe, dois atores bem superiores a ele, e se mantém em pé de igualdade. Ponto para o diretor Ridley Scott, que orquestrou com uma pacificidade incomum uma obra-prima urbana, algo que ele devia ao público desde de Thelma & Louise de 1991. Entre seus clássicos, agora, existe um filme de visual comum, atual (mesmo passado na década de 1970), sem abusar de uma edição frenética e sem muito barulho, ou efeitos especiais de ponta.

Se os dois atores principais do filme não foram indicados ao Oscar, tudo bem. Quem se importa com indicações? Denzel Washington dá um show como o negro mais poderoso do Harlem nos anos 1970. Seu segmento mais parece um produto da Blaxploitation, tamanha a quantidade de negros e black music que adornam sua trajetória. Washington, como bom ator que é, faz seu Frank Lucas expressar muito do que sente com um simples olhar. Ele propõe uma atuação visceral e ao mesmo tempo discreta, tal qual a movimentação de seu personagem no mundo do tráfico, apesar de alguns chiliques de agressividade no melhor estilo Joe Pesci dos filmes de Martin Scorsese.

Com relação a Russell Crowe, aqui em sua terceira parceria com Ridley Scott, não se tem muito a dizer. Ele é um dos melhores atores deste século e simplesmente desaparece no personagem, tamanha sua dedicação a ele. E se ele anda, em determinados momentos, como John Nash, o matemático esquizofrênico que ele deu vida há 7 anos, isto não compromete o seu trabalho. Sua história tem a mesma desenvoltura e qualidade de um filme de Sidney Lumet, e seu Richie Roberts tem semelhanças de sobra com o Frank Serpico, interpretado por Al Pacino, num dos melhores longas do mestre em questão. Scott fez um filme dos anos 1970 que ele não conseguiu fazer naquela década. Só ressenti que o aguardado encontro entre os dois protagonistas tenha se restringido a alguns minutos, deixando uma sensação de “muita expectativa para nada” semelhante a do face/off de Al Pacino e Robert De Niro em Fogo Contra Fogo. Tudo bem que eles já se digladiaram na bagunça trash chamada Assassino Virtual, mas este encontro era diferente. Tinha o peso de uma estatueta dourada na estante. Mesmo assim compensou. Quando Washington sorri para Crowe e solta seu último 'my man' , dá pra perceber que tudo valeu a pena. E é por isto que, mesmo entre piratas, orgros, robôs gigantes, heróis aracnídeos e um espião desmemoriado, O Gângster figura, com louros, entre os melhores do ano passado. Sem nenhum dúvida ou objeção.

NOTA: 9,5