sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Imagens do Além

Sabe aquela introdução da crítica de O Orfanato lá embaixo? Pois é, todo aquele blá, blá, blá, se é que alguém leu, também poderia servir de abertura aqui. Se O Orfanato é um exemplo de como se faz um filme de terror dos bons, Imagens do Além é o contra-exemplo. O longa tem simplesmente todos os defeitos que não deveriam aparecer em filmes do gênero. Tudo, mas tudo mesmo, que deveria ser evitado para não se cair na vala comum está presente. E o pior: ninguém parece incomodado com isto.

A história se passa no Japão. E é dirigida por um nipônico. Mas, diferente do que se pense, o longa é uma refilmagem de uma obra trash tailandesa. E o elenco americano só denota que, no meio dessa salada toda, o azeite é hollywoodino. Então, não é de se espantar a desgraça que esta marca às vezes proporciona. Sem ligar um pouco para a introdução coincidentemente fantasmagórica de Encontros e Desencontros (recém-casados se mudam para o Japão, ele fotógrafo, ela a esposa abandonada perdida num país estranho), somos jogados numa trama onde o espírito de uma mulher supostamente atropelada começa a perseguir os protagonistas e aparecer em fotos sem alguma explicação aparente. O problema é que a “surpresa” de todo esse mistério é, pra ficar dentro do tema espiritual, psicografada antes da metade da projeção. A partir daí, salvo alguma exceções como a presença assustadora da atriz Megumi Okina que interpreta o espectro amaldiçoado e a cena arrepiante dos vultos entre os disparos dos flashs fotográficos no escuro, o filme todo é um amontoado de clichês evitáveis. Parece até que os sustos - a maioria bem anti-climáticos, é bom ressaltar - eram mais importantes do que o clima aterrorizante em si, apesar do esforço evidente do diretor em querer preservá-lo. Faltou savoir-faire.

E ainda tem a dupla principal. Os dois até que se esforçam, mas não convencem como um casal. Não há química. A magérrima Rachael Taylor é quem se sai melhor na equação, embora vacile quando dá alguns pitis. Contudo, é intragável demais o modo como se envolve tão profundamente na história toda e não perde a sanidade. Maldita natureza humana, certo!? E Joshua Jackson (quem? Ah, o Pacey Witter de Dawson’s Creek), bom, melhor nem comentar. Pelo menos o final “cada um tem o que merece” ou “aqui se faz, aqui se paga” não deixa gancho para uma continuação. Hollywood um dia aprende, eu tenho fé.

NOTA: 6,0

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O Orfanato

Terror é um generozinho de filme difícil de resenhar. Não liguem para o contraste, mas é mais ou menos como a comédia: a graça das piadas depende muito do seu estado de espírito. Não vou entrar em detalhes qualitativos, mas com o terror, a “graça” do filme também depende do seu humor. Às vezes o filme é uma porcaria, mas assistido num clima perfeito rende bons sustos. Todavia, um filme de apuro técnico invejável muitas vezes passa batido por excesso de expectativa. Essa discussão renderia uma redação, porém, tudo isso era apenas para ilustrar um detalhe: existem exceções à regra. E, apesar de raros, alguns filmes de terror te envolvem mesmo. Mesmo que você não queira. E O Orfanato é um deles.

O longa de estréia do mexicano Juan Antonio Bayona tem uma premissa simples. Envolve passado, crianças, paranóia, paranormalidade e espíritos. Filmes com enredo comum, quando bem conduzidos, rendem pérolas como Os Inocentes e Os Outros; nas mãos mercenárias de um diretor operário somam ao trash obras dispensáveis como O Amigo Oculto. Sob a direção de Bayona e com o amparo na produção de Guillermo del Toro (expert em orfanatos desde que fez A Espinha do Diabo), o filme não só é bem conduzido como evolui a cada corte. E apesar do óbvio, não esperem fantasminhas japoneses carregados de maldições. A diferença toda do longa está no fugir do óbvio, do não saber o que está acontecendo. Nada é explícito, ninguém morre sem motivo, nem sustos fáceis são jogados desnecessariamente. A “graça” está no bom jogo de mostrar pouco e aos poucos. O clima desconhecido e angustiante rege o tom aterrorizante. Os fantasmas aqui habitam seu purgatório particular, não querem mexer com ninguém e nem querem ser ouvidos. Nós, vivos, é que entramos sem ser convidados no seu mundo sobrenatural, e o sumiço de uma criança é o estopim que força-nos à curiosidade mórbida de descobrir o querem e se têm algo a nos contar. Maldita natureza humana!

Bem amarrado e de um primor técnico de fazer corar alguns longas de terror e suspense de Hollywood (a fotografia e a trilha sonora são bons exemplos), o filme até peca em determinados momentos, mas, de seu início arrasador (os créditos de abertura bem que poderiam ter saído da mente bizarra de Tim Burton) até seu clímax com uma reviravolta de trincar os dentes, não há quem não se envolva por inteiro. E seu final “feliz” vem apenas para comprovar uma tese de que mortos não fazem mal a ninguém, nós é que fazemos mal a eles. Ops, espero não ter estragado nada. Acho que a mestra das resenha dos filmes de terror, Thalita, não cometeria essa gafe. Quer saber, não entreguei nada não. Se você não viu, veja porque o filme é uma obra-prima a ser descoberta.

NOTA: 9,5

O Incrível Hulk

Ele voltou, o Hulk voltou! E voltou justamente num período de transição, fazendo seus estragos básicos como parte do plano da Marvel de dominação global. E, sinceramente, não foi exatamente da forma como eles planejaram. O segundo filme do Hulk é bom. E só. E nem adianta botar a culpa no Batman porque o mesmo só entrou em cartaz um mês depois. De quem foi a culpa, então? Da falta de experiência do diretor Louis Leterrier? Do ego de Edward Norton? Das pretensões exageradas da Marvel? Ou mesmo de Ang Lee, que fez o filme errado (ou certo) na época errada? Deus dirá.

O fato é que o Hulk não é um personagem carismático quanto, por exemplo, o Homem de Ferro - que, mesmo sem tanta popularidade, fez fortuna nas bilheterias um mês antes. E, apesar de ser querido entre os nerds (e as crianças), não é um herói para todos os públicos. Mas o detalhe de não ter arrecadado o que se esperava não está ligado somente a este fator. Como eu disse lá em cima, o filme é apenas bom. Não surpreende, empolga pouco e deixa aquela desagradável sensação de que poderia ser melhor. Mas não desanime: o filme tem seus momentos. Por favor, só não queiram que eu compare o Hulk que Ang Lee dirigiu em 2003 com este O Incrível Hulk. Para mim é o mesmo que comparar um Filé à Parmegiana com um Filé com Fritas. Dois pratos que, apesar do componente principal ser o mesmo, têm sabores completamente diferentes. Sem falar que há quem prefira mais um do que o outro. Então, são dois filmes bons e pronto. Assunto cinefágico encerrado.

Vamos aos prós: Edward Norton se enquadra melhor no papel de Bruce Banner. Nada contra Eric Bana (como disse Seth Rogen em Ligeiramente Grávidos, vamos beber está noite em homenagem a ele), o cara é um ótimo ator, mas era marrento e neurótico demais para o papel. Já Norton, com seu físico franzino e olhar de desespero, lembra bastante o Banner de papel como a pessoa mais improvável do mundo para se tornar um monstro verde, tal qual Bill Bixby, o ator que personificou o cientista na antiga série de TV. O filme tem mais ação, mais destruição, está carregado de referências ao universo Marvel, o Hulk está mais crível e tem um oponente à altura para brincar no clímax. Os contras: a edição é brusca (acredite, em 10 minutos de perseguição pelas favelas do Rio de Janeiro, sem pausa, Norton corre das 5 da manhã às 6 da tarde), o roteiro promove certas grosserias (em 17 dias Banner vai do Brasil aos Estados Unidos a pé!), está repleto de tomadas desnecessárias e, por vezes, chatas - principalmente aquelas que emulam a já citada série de TV, Liv Tyler não convence como cientista e o humor (quê?), com exceção de uma cena bem sacada, é forçado demais. De resto, “Hulk esmaga”. Nem vale o fato de o filme deixar um gancho para uma seqüência (que incluiria o vilão Líder). Devido a baixa bilheteria só veremos o Gigante Esmeralda no filme dos Vingadores. Em tempo: o melhor (mesmo) do filme é a ponta de Robert Downey Jr. como Tony Stark. Depois do sucesso acachapante de Batman - O Cavaleiro das Trevas, espera-se que a Marvel aprenda a lição. Que venha o próximo herói da lista.

NOTA: 7,5

Sweeney Todd - O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet

A vingança é um prato que se come frio. Será que existe alguém nunca escutou isto? Só que, pensando bem, por que não esquentar o prato depois de pronto? A metáfora do dito popular evidencia bem a falta de pressa do algoz em concretizar um ato tão brutal, ao mesmo tempo que denota certo prazer com sua conclusão. E a minha brincadeira extra-metafórica, apesar de abrir um entendimento diferente do óbvio, serve apenas para aludir a idéia bizarra de vingança do protagonista deste filme. O barbeiro Benjamin Barker, depois conhecido pelo nome de Sweeney Todd, é apenas mais um personagem entre tantos já retratados nas mais diferentes formas de arte (e na vida real) que não se apressam em “descontar” certos traumas do passado. Porém, é o primeiro que resolve, da forma mais grotesca possível, requentar o prato antes de comê-lo. Alguém se habilita a provar?

A história de Sweeney Todd não é nova, e já foi levada ao cinema pelos menos umas 6 vezes. Entretanto, este Sweeney Todd, na forma de musical e baseado numa encenação teatral é, no mínimo, a mais curiosa. Se a história em si - barbeiro assassino usa o corpo de suas vítimas para rechear as tortas de sua ex-senhoria, já é bizarra por demais, encontrou em Tim Burton (um diretor com um fascínio patológico por tipos fora do comum) seu regente mais que perfeito. Sim, Burton assinando um musical. Até que não é novidade, já que ele flertava com o gênero desde O Estranho Mundo de Jack. E assinando um verdadeiro musical em essência e conteúdo ele se mostra bastante experiente e seguro. E não há porque negar: Sweeney Todd é um produto Burton desde os créditos de abertura. Nunca a Inglaterra vitoriana foi tão gótica. E por mais que se pense que o filme é uma grande porcaria, acredite, ele é uma grata surpresa. Garanto que, fã ou não do diretor, você vai adorar a obra. Até mesmo se não suportar ver atores cantando. Seguindo a risca a nova cartilha dos musicais, aqui ninguém pára a ação para cantar a ação, apenas continuam a fazer o que estão fazendo e cantam os diálogos com a maior naturalidade. Cortesia do roteiro coeso de John Logan e da orquestração perfeita de Stephen Sondheim, o idealizador em pessoa da versão teatral em que o longa se baseou. O maestro mistura bem o gótico com o depressivo e o lírico com festivo sem perder o tom um só minuto. E sim, pela primeira vez em 14 anos Danny Elfman não assina a trilha sonora. Mas ele não foi esquecido pelo maestro. Os acordes aterrorizantes da abertura bem que lembram os do ex-Oingo-Boingo.

Tudo isso ainda não foi motivo para convencê-lo a encarar uma sessão? Pois bem, ainda temos Johnny Depp como protagonista. Mais uma vez o ator provou ser o ideal para encarar um personagem fora do comum. E todos nós sabemos que ele rende mais que o esperado nas mãos de Tim Burton. Seu Sweeney Todd, apesar de ser a cara de Bento Carneiro (o vampiro brasileiro!), é interpretado com tanta perfeição que parece ter sido feito exclusivamente para ele. A empatia com o público é imediata, por mais sanguinário que seu personagem seja. A gente até torce para que ele mate mais. E o mais incrível é que ele encontrou em Helena Boham-Carter sua parceira legítima. A química entre os dois é surpreendente. É como se eles tivessem nascidos um para o outro. Atuando pela primeira vez juntos, eles deixam um gostinho de ‘quero mais do dois’ a cada segundo que não estão juntos. Um bom exemplo dessa química é quando os dois cantam quanto valeria cada torta medida pelo status da vítima que irá recheá-la. Veja e comprove.

Ainda incrédulo? Bom, o filme não é só sangue, trevas, vingança e canções depressivas. Burton ainda pinta seqüências com o seu colorido infantil e fantasioso. A melhor cena do filme foge de seu próprio padrão: em devaneios, a senhorita Lovett canta como seria o mundo apenas dela e de Todd, e apresenta o melhor de si, do Depp ator e do Burton diretor. Mesmo que o clímax não seja tão apoteótico e o final fuja um pouco do que se espera - sendo até um tanto intragável -, você já foi manipulado pelo trio durante quase duas horas e nem percebeu. Em meio a tantos filmes sérios e blockbusters sem cérebro, Sweeney Todd ainda é um ótimo aperitivo. Goste você de torta ou não.

NOTA: 8,0