sexta-feira, 15 de abril de 2011

Rio

Cá estamos de novo com a teoria de que o diretor brasileiro Carlos Saldanha levava bomba nas provas do ensino fundamental. Matéria da vez: Biologia. Só isto para justificar a inclusão de flamingos na fauna brasileira no seu novo filme, Rio. Mas convenhamos, somente um ornitólogo ou um chato de galocha se incomodaria com isto - ou teria a ocupação em detectá-los em meio a tantas aves. Afora este mínimo detalhe, Rio é um filme delicioso. Uma animação despretensiosa e bastante movimentada que traz bem impressa a assinatura de seu diretor, o brasileiro mais bem sucedido em Hollywood.

Rio é um filme que, como o título entrega, é ambientado no Rio de Janeiro. Como bom brasileiro (e carioca), Carlos Saldanha pintou a cidade maravilhosa com as suas reais cores e mostrou o Brasil que é vendido lá fora. Para a patrulha do politicamente correto, o diretor estereotipou nosso país. Mostrou um país alegre e cheio de ginga montado na dupla dinâmica samba/futebol. Um país que pára para ver um jogo da Seleção e um país que esquece os problemas internos e externos durante 4 dias ininterruptos para pular carnaval. Triste visão estrangeira. Mas, e ele por acaso mostrou alguma inverdade? Fora daqui ninguém estereotipa o Brasil, nós é que o fazemos desde a época do descobrimento. Nós mesmos é que passamos uma imagem irresponsável para os outros países. E depois que eles vêm nos mostrar quem somos queremos dizer que não somos assim. Por favor, francamente. A intenção de Saldanha foi mostrar de forma apaixonada - e não demérita - quem realmente somos. E uma coisa é certa: da primeira a última cena, Rio é uma declaração de amor ao Rio de Janeiro. A animação é tão perfeita que cidade parece ser real. Todos os seus detalhes e pontos turísticos estão lá. E claro, não poderia faltar o samba para deixar a cidade ainda mais bela e alegre.

Rio conta a história da arara azul Blu. Após um tráfico de animais desastrado, ele vai parar ainda filhote nos EUA, onde passa a ser criado por Linda. Como a maioria das aves criada longe do habitat natural, Blu não tem instintos e vive uma relação de dependência com sua dona. Até que aparece Túlio, um especialista em aves que deseja que Blu vá ao Brasil para procriar com a última fêmea da espécie. E é chegando ao Rio que a aventura começa. Ao conhecer Jade, a arara fêmea criada em cativeiro, Blu se vê envolvido numa imensa confusão. Os dois são seqüestrados, acorrentados, fogem e pouco a pouco vão se conhecendo e aprendendo um com o outro que instinto natural e criação caseira podem andar de mãos dadas. E, óbvio, se apaixonam. Mas antes de chegar lá eles tentam escapar da cacatua Nigel, e a medida que o despistam vão nos levando num passeio pela cidade e esbarrando em algumas figuras bastante excêntricas, e por que não tipicamente cariocas, como o canário Nico, o tucano Rafael e o Buldogue Luis. Além de um bando abusado de sagüis ladrões de turistas - se você como eu entendeu a analogia preconceituosa que fique apenas entre nós. O Rio de Janeiro de Rio é uma cidade quase etérea, onde até as favelas ganham certo glamour. Saldanha mostra a cidade em todo o seu esplendor ao longo da aventura e ampara tudo numa trilha sonora bem sambista (com direito a cantoria e tudo!) com algumas pitadas de bossa nova. O diretor nos insere entre as aves, nos conduzindo até a Marquês de Sapucaí para um clímax apoteótico, deixando a peteca cair só no final com um desfecho feliz bem moralista (oi, ainda é uma animação para crianças!). Um ponto interessante a ser dito aqui, é que, diferente de A Era do Gelo que é uma animação com peso na comédia, Rio é um pouco mais contido no humor. Saldanha se distancia do estilo da trilogia que o consagrou para focar mais nos sentimentos e na humanização dos personagens, remetendo a outro trabalho magnífico seu, Robôs. Todavia, as cenas engraçadas são de rolar de rir (espere para ver a inserção da música ‘Say You, Say Me’ de Lionel Ritchie). Rio é uma animação norte-americana com corpo e alma brasileiros. Leve e divertida, agrada a todos os públicos. E quanto aos flamingos? Bem, caíram no samba como todo mundo.

NOTA: 9,0

domingo, 20 de março de 2011

COMUNICADO

Gostaria de primeiramente desculpar-me com todos os que visitam meu humilde Blog pela demora nas atualizações das críticas. Gostaria de dizer também que, apesar da ausência de 3 meses, coloquei uma crítica recente, a de Cisne Negro. Aproveitando também a chegada de Tropa de Elite 2 em DVD, publico a resenha já feita desde Outubro do ano passado, época que assisti o filme no cinema. Outra crítica também antiga, a de Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1, só será publicada um pouco antes do lançamento da parte 2 em Julho, pegando carona na estréia. Gostaria de dizer que em breve o Blog estará com novidades estéticas aproveitando as estréias dos filmes de 2011. E prometo que serei mais pontual com as críticas. Saudações a todos e boa leitura.
Henrique Lima.

Cisne Negro

Bom, a essa altura não é mais nenhuma novidade o fato de Natalie Portman ter recebido o Oscar de Melhor Atriz por seu trabalho em Cisne Negro. O que poucos realmente sabem é que, sem desmerecer as demais concorrentes, a Academia foi mais do que justa. O Oscar não lhe foi dado por nenhuma estratégia de marketing, nem como pedido de desculpas por não ter sido premiada anteriormente. Natalie Portman ganhou por merecer. Seu trabalho neste filme é desafiador. Um trabalho que nas mãos de outra atriz menos talentosa, talvez não tivesse o mesmo impacto. Natalie é sincera em sua interpretação. É a dona de todo o longa-metragem. É a força da natureza que devasta toda a tela e segura e mantém a qualidade do filme. É o cisne que embeleza o lago.

Cisne Negro é um filme modesto. Falo isto não para desmerecê-lo, muito pelo contrário. Falo pelo fato de resgatar o cinema em sua essência como arte e não como espetáculo. Longe de ser uma superprodução, ou exibir técnicas cinematográficas inovadoras para surpreender a crítica, o filme do diretor Darren Aronofsky é simples e conciso. Conta uma história comum de uma bailarina que quer ascender na carreira e surpreende pela forma como é desenvolvido. E apesar de ter o balé e todo o seu mundo lírico e clássico como pano de fundo, não é um filme sobre dança. Ao abraçar uma estética mais independente para narrar a história de Nina Sayers (Portman), Aronofsky abandona de vez a idéia comercial e egocêntrica de fazer experimentalismos existencialistas (Fonte da Vida) e retoma as rédeas de sua carreira ao voltar ao tipo de cinema que o lançou. Cisne Negro não é um mero drama e pouco lembra a pieguice de filmes recentes sobre balé como Sob a Luz da Fama e Dançando para a Vida, por exemplo. Aronofsky criou um pesadelo imerso em toda a simplicidade e graciosidade do mundo da dança. Um horror psicológico onde sanidade e devaneio andam de mãos dadas. Uma obra delirante que pode não agradar a todos os públicos, mas que atesta certa maturidade de seu realizador.

Cisne Negro é por vezes onírico, a começar pelo seu prólogo. A excepcional cena de abertura inicia de forma sensível e vai ganhando ares assustadores no seu desenrolar. A cena mostra um pouco do que está por vir e um pouco da personalidade sonhadora e um tanto insegura da protagonista. Nina é uma bailarina dedicada e, de certo modo, ambiciosa. Ao ganhar o papel de Rainha Cisne numa nova versão de O Lago dos Cisnes, o apogeu de qualquer bailarina, ela sofre com a pressão externa e psicológica da responsabilidade. E é aqui que entra os trabalhos extraordinários do seu realizador e de sua intérprete. Nina vai se tornando aos poucos paranóica e passa a enxergar uma concorrência desleal vindo de Lily (Mila Kunis, sóbria). Mas Nina, mesmo sabendo que sua obsessão está lhe consumindo, continua sua busca pela perfeição na realização de seu sonho mesmo que isto resulte na deterioração de seu caráter ou mesmo na destruição de sua vida. Ao longo da jornada ao inferno pessoal da protagonista é impossível não notar as semelhanças propositais do diretor com os protagonistas de Pi e Réquiem para um Sonho, seus primeiros trabalhos. E é evidente a segurança com a qual o diretor confia o filme a Natalie Portman. A atriz realmente se entrega de corpo e alma a personagem. Apesar de um ou outro deslize de canastrice (principalmente quando a atriz insiste em carregar uma expressão chorosa de desespero), seu trabalho é primoroso. Aronofsky jamais a tira de foco, seja perseguindo-a como uma entidade ou rodopiando nauseantemente ao acompanhar seus passos de dança. A trilha sonora pontuada pelas músicas de Tchaikovsky dá o tom dramático da personagem e engrandece a soturnez da trama. Cisne Negro é um filme belo, denso e sombrio. Um trabalho feito com maestria e executado com precisão. Uma obra divina e marcante.

NOTA: 9,0

Tropa de Elite 2

Tropa de Elite 2 é um filme de macho! Não na aceitação de ser um filme de ação agressivo ou mesmo feito só para homens. É um filme vigoroso que remete ao tipo de cinema tenso, rude e viril exercitado, por exemplo, por diretores como John Huston, Sergio Leone e Walter Hill. Tropa de Elite 2 é um filme corajoso. É um drama de ação niilista que expõe a realidade nua e crua, sem arrodeios ou omissões, sem qualquer tom de sátira ou ativismo político. Tropa de Elite 2 escancara a realidade para nos fazer sentir vergonha das instituições que deveriam servir para nos amparar. É literalmente um soco no estômago de cada cidadão. Tropa de Elite 2 é o melhor filme brasileiro da década, quiçá do século. Digno de orgulho e capaz de superar seja em qualidade e estética, até o mais caro dos blockbusters norte-americanos.

Não dá para falar de Tropa de Elite 2 sem primeiramente falar de seu diretor, José Padilha. Padilha é, sem dúvida, o mais audacioso cineasta nacional em anos. Um filho bastardo da publicidade que ousou levar a crítica social a âmbitos reacionários adequando tudo a um cinema documental e estilístico. Padilha não tem medo de apontar o dedo na cara de alguém e muito menos culpar o poder público por sua própria degradação. E ao lado do roteirista Bráulio Mantovani criou uma história em que qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. Só por isto merece ser ovacionado de pé. Tropa de Elite 2 era um filme de lucro certo, amparado pela aura do sucesso/polêmica do longa original de 2007. E mesmo com toda essa certeza, José Padilha não se acomodou em fazer um mero mais do mesmo. Deu uma guinada de 360º na história do BOPE e construiu um filme perfeito, superior a seu precursor. Outra salva de palmas para ele.

Passados mais de dez anos entre as duas histórias, o eixo principal pode ser o mesmo (a polícia e o BOPE), mas a temática agora é outra. Sai a criação do Batalhão de Operações Especiais e entra a criação da Segurança Pública. Padilha nos faz mergulhar nas entranhas da máquina do estado. Um mergulho de certo modo curioso e que aos poucos vai se tornando sádico até terminar por vergonhoso. Padilha expõe um mundo obscuro - o nosso mundo cotidiano! -, corrupto, inconseqüente, sujo e amoral. Um mundo que a gente sabe que existe e insiste em omitir. Um mundo onde fazer o dever de casa é manter a ordem política tradicional a cada dois anos, abdicando do bom senso e colocando sempre as mesmas pessoas ou gente incapaz (humoristas, artistas, jogadores de futebol) para reger a organização de tudo. Um mundo onde a violência, apesar de chocante, é corriqueira e natural. Uma violência desmedida e interminável, brutal e insensível, surgida não somente como resposta a ela própria, mas como forma justificativa dos meios. Um mundo que nós lemos nos jornais, nas revistas, assistimos na TV ou simplesmente contemplamos da janela.

Mas em meio a todo o caos há alguém que insurge com força para se opor ao conformismo. E no caso de Tropa de Elite 2 esse alguém é o tenente-coronel Nascimento. Nascimento é o nosso Superman, nosso James Bond, nosso Jason Bourne, nosso Jack Ryan. Nascimento é a indignação nacional. É o que cada um dos formadores de opinião gostaria de ser. Um personagem destemido e agressivo que não teme peitar os próprios colegas ou superiores, que não se omite na frente de bandidos ou políticos, até do maior deles se possível. De nada adiantaria ser a espinha dorsal do longa sem alguém que o fizesse com garra. Daí entra o trabalho extraordinário de Wagner Moura (sim, o melhor ator brasileiro da atualidade!). O baiano franzino desaparece para dar lugar ao carrancudo, rigoroso e incorruptível Nascimento. Ainda fascista e cada vez mais anti-social, Nascimento agora é secretário de segurança do estado do Rio de Janeiro. E é dali onde começa uma guerra pessoal contra o sistema, arriscando sua vida e a de sua família em nome da honra. Tropa de Elite 2 é um filme que precisa ser vivenciado não apenas pelos amantes do bom cinema, mas por todos os brasileiros. É um filme de discussões e teses. A melhor coisa que o Brasil produziu em 2010. Uma história que te faz querer ser um “caveira” e sair do cinema botando ordem em tudo. Só que fora da sala escura a esperança de paz ainda é um sonho distante. O mundo é aquele que vimos há pouco e que nos envergonha. E onde ninguém faz nada para mudar. Um sistema foda!

NOTA: 10

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A Origem

O melhor filme do ano! Não se espante caso esta frase traga uma sensação de déjà-vu, mas, pouco mais de dois anos depois do melhor filme do ano, Christopher Nolan conseguiu de novo. A Origem não é apenas o blockbuster mais cerebral e instigante de 2010, mas é uma trama original, o que a contento é um ponto mais que positivo em meio a enxurrada de remakes, continuações e adaptações que adornaram a temporada. Nolan, a exemplo de seu filme anterior, conseguiu subverter um gênero - no caso, os triviais filmes de roubo - e elevá-lo a outro patamar, dando-lhe aspecto de ficção científica dentro dos fundamentos da onirologia. Um filmaço.

Taxado e tratado como complexo, A Origem não é nenhum bicho de sete cabeças. Pelo contrário. Nolan não criou nenhum divisor de águas no cinema, apenas uma obra espetacular e original, com inteligência acima da média, e que, apesar de ser para todos os gostos, serei bem sincero, não é para qualquer um. Querer explicar A Origem é querer estragar a experiência. Experiência esta que necessita ser vivenciada por qualquer um que goste de cinema. Basta apenas que se saiba de seu enredo, onde um ladrão fugitivo internacional especializado em extração de segredos valiosos das profundezas do inconsciente durante o sono tem como último trabalho, sua chance de redenção, ao invés de roubar, conseguir implantar uma idéia na mente alguém. Como eu disse um pouco antes, não há nada de complicado. Nolan faz questão de entregar tudo bem mastigado, explicando detalhadamente cada passo a ser dado pelos personagens. E diferentemente do que se pense, que tanta informação possa deixar o desenrolar da história cansativo ou óbvio, um aviso: elas intensificam a “viagem”. Christopher Nolan caprichou na ambientação e passeia por diversas camadas da trama (graças a um trabalho excepcional de edição) sem jamais perder o foco principal. Acredite, você vai descobrir como é estar num sonho dentro de um sonho de um sonho.

Mas, de nada adiantaria uma bem estruturada narrativa sem o equilíbrio de um bom elenco. E em meio a um leque de ótimos atores (Ellen Page, Tom Hardy, Joseph Gordon-Levitt, Ken Watanabe, Cillian Murphy, Michael Caine), quero destacar os excelentes trabalhos de Leonardo DiCaprio e Marion Cotillard. O primeiro, no papel do protagonista Dom Cobb, há muito se desvinculou daquela imagem de galã juvenil criada depois de Titanic. DiCaprio amadureceu, passou a escolher projetos ousados, trabalhou com diretores do alto escalão (Martin Scorsese, Ridley Scott, Steven Spielberg) e adquiriu confiança para assumir qualquer papel. E ao ganhar a oportunidade de ouro de Christopher Nolan de encabeçar o elenco de A Origem, provou mais uma vez que tem qualidade e merece os parabéns por desenvolver tão bem um personagem ambíguo e dar-lhe uma carga dramática bem dosada, sem exceder na pieguice. Já Marion Cotillard tinha um trabalho aparentemente mais fácil, porém, deu uma profundidade tão intensa a personagem que chegou a roubar as cenas cada vez que aparecia. Marion além de bela é uma atriz espetacular. No papel da esposa morta de DiCaprio, vista apenas como “a sombra” no mundo dos sonhos, ela abraçou toda a complexidade da personagem e deu-lhe uma energia além do exigido. Com seu olhar penetrante e meio blasé, conseguiu facilmente persuadir o protagonista e a platéia.

O diretor aproveitou as possibilidades impossíveis dos sonhos, além da inconsistência dos personagens neste mundo, para ampliar o grau de suspense da trama. Fã de enigmas e famoso por embaralhar seqüências, o diretor parece ter aprendido bem a lição com o mestre do suspense Alfred Hitchcock e criou o mais longo e tenso clímax da história do cinema. Com o apoio da trilha sonora ensurdecedora de Hans Zimmer, Nolan gerou um tour de force quase interminável, fazendo o público ficar na ponta da poltrona de tanta ansiedade. E apesar de todo tempo gasto, nada é jogado por acaso e a mente ainda passa por um processo de confusão de idéias. O diretor faz um jogo óbvio com você, ditando as próprias regras, embasbacando sua mente, inserindo alguns alívios cômicos genais (como as cenas dos personagens em estado REM na van numa perseguição alucinante) e te enchendo de detalhes para construir um verdadeiro quebra-cabeça. Ao final, depois do alívio de estar tudo resolvido, num caminhar para um happy end, depois de todas as idéias no lugar, Nolan ainda implanta uma dúvida no espectador. Fica a pergunta do personagem de Michael Caine em outro filme do diretor, O Grande Truque, como dica para quem não assistiu A Origem: “Você estava olhando com atenção?”. Pois é. E afinal, ele saiu ou não saiu?

NOTA: 10