sábado, 19 de setembro de 2009

Up - Altas Aventuras

O dicionário da língua portuguesa classifica obra-prima como ‘a mais notável obra de um autor’. Raros foram os casos de artistas que, de tão geniais, criaram mais de uma. William Shakespeare, Leonardo Da Vinci, os Beatles, Alfred Hitchcock... e a Pixar. Ok, a Pixar Animation é um estúdio cinematográfico. Porém, o conglomerado de cabeças pensantes que ali trabalham ostenta com austeridade sua marca ao ponto de se omitirem como pessoas e lançam com este selo de qualidade uma nova obra-prima a cada ano. Up - Altas Aventuras é o mais novo clássico a seguir este padrão.

Contrariando qualquer aposta demérita numa história que tem como protagonista um senhor de 78 anos, o diretor Pete Docter surpreende a todos ao fazer funcionar a perfeição as aventuras capitaneadas por este improvável herói. E é incrível como a coisa realmente funciona bem. Carl Fredricksen é um viúvo rabugento e desolado a beira de ser mandado para um asilo quando resolve içar a casa com alguns milhares de balões e partir em busca do Paraíso das Cachoeiras, um ponto exótico entre o Brasil, Venezuela e Guiana, antigo sonho aventureiro de sua falecida esposa. Carl não quer apenas recuperar o tempo perdido, ele quer também, quase no fim da vida, encontrar a si mesmo. E ao levar consigo o garoto Russel como bagagem indesejada, ele não somente tem que aturar sua tagarelice como tem outra lição a aprender: lidar com um filho que nunca teve. Carl, com seus modos rudes e antiquados, é o total oposto de Russel, um escoteiro boa-praça precoce como as crianças de hoje em dia e cheio de bugigangas tecnológicas típicas de sua geração. Neste caso, os opostos definitivamente se atraem. E se completam. Russel busca a atenção e o carinho de um pai ausente e Carl carece exercer o dom paternal guardado no seu coração. E é na química entre essa dupla tão díspar que repousa toda a grandiosidade de Up.

Up não é só uma mera animação 3D, é uma homenagem às animações de antigamente, à arte absoluta de fazer cinema. Enquanto Wall*E ambicionava ultrapassar os limites entre realidade e ficção, Up em contraponto quer apenas contar uma bela história sobre superação ao mesmo tempo em que deixa uma bela mensagem sobre nunca ser tarde para realizar nossos sonhos. Oscilando momentos de humor genial (qualquer cena com Russel e a ave Kevin ou com a matilha de cachorros “falantes”) e melancolia (qualquer instante em que Carl senta para avaliar sua vida são de fazer chorar até o mais insensível dos adultos), o diretor Pete Docter reafirma a máxima de Walt Disney que diz que para cada sorriso deve haver uma lágrima. E a lindíssima e discreta trilha sonora de Michael Giacchino contribui significantemente para melhor fluência desses momentos. Up poderia ser a cereja no topo do bolo da Pixar, mas parece que esse delicioso bolo nunca chega ao fim. Up também marca o crepúsculo de uma fase e a aurora de uma nova dimensão. Up - Altas Aventuras desponta com folgas como o melhor filme do ano até aqui. Algo inquestionável. E o velho Walt, esteja onde estiver, deve estar cheio de orgulho de seus pupilos.

NOTA: 10

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A Mulher Invisível

Existe uma música dos anos 1980 de autoria de Ritchie e Bernardo Vilhena chamada A Mulher Invisível. A letra não tem nada a ver com nada, fala de uma mulher invisível (!) que passa por tudo e por todos sem ser notada (!!). E numa das frases dessa música retrô-futurista os autores a descrevem como “pura energia”. Talvez tenha sido pensando nesta bendita frase que o diretor Cláudio Torres criou a personagem de Luana Piovani no filme A Mulher Invisível. E não. Antes que alguém pense que o filme é baseado na música, ou sequer tenha sido inspirado em sua letra, não. Apenas seus títulos são homônimos.

Em seu 3º longa-metragem (Traição não conta), Cláudio Torres mescla as qualidades de seus dois anteriores - a surrealidade do roteiro e o protagonista perdido em si de Redentor e a comédia escrachada de A Mulher do Meu Amigo - e funde tudo numa aposta mais lucrativa, porém arriscada: a comédia romântica. Para o papel principal convocou Selton Mello. Daí abre-se uma discussão: Torres fez isso como prova de confiança, já que o ator tem talento de sobra para entreter o público, ou como jogada de marketing, já que ele é garantia de bilheteria certa? Não se sabe. O fato é que Selton segura o filme inteiro nas costas sem fazer muito esforço. Ele interpreta Pedro, um jovem boa-pinta, bem de vida e feliz com a mulher de sua vida... até levar um baita fora dela e cair numa depressão desmedida. Ele perde a razão de viver e aos poucos vai perdendo tudo, o emprego, as coisas de casa, os amigos e a sanidade. E é aí que surge Amanda. Interpretada com certa presunção por Luana Piovani, a dita cuja é o expoente da mulher ideal: prestativa, carinhosa, tarada, vidrada em futebol, compreensiva e dedicada. Ah, e adora andar de lingerie pela casa. Maravilha! O problema, como bem sabemos, é que mulher ideal não existe e Amanda é apenas fruto da imaginação e do desespero de Pedro. E ele é o único que não sabe disto. Eis que as confusões estão apenas começando.

Não obstante o fato de Luana Piovani desfilar quase o tempo inteiro em trajes sumários, é Selton Mello quem é dono do filme inteiro. O cara é realmente demais e cria uma empatia instantânea com a platéia. Bom ator e ótimo comediante, Selton dá um show principalmente quando está atuando sozinho. Ele engraçado até quando não faz graça. As cenas da ida ao cinema e da descoberta da não existência de Amanda são de rachar o bico. O roteiro em si não traz nenhuma novidade, mas abre espaço suficiente para Selton brilhar. Além dele e de Luana, Torres também desenvolve bem os coadjuvantes, ancorando-os na personalidade esquizofrenicamente apaixonada de Pedro. Maria Manoella faz a vizinha xereta que nutre uma paixão platônica pelo protagonista; Vladimir Brichta interpretando pela enésima vez o canalha de bom coração é o melhor amigo e Fernanda Torres dá vida a um tipo de Vani mais “normal”. E mesmo apostando pesado na comédia, o diretor não foge do óbvio das regras dos romances e conclui a obra com um infalível final feliz. Se estas duas palavras juntas não te agradam, não tema, até lá você já tem comprada a piada e as inúmeras risadas compensam o desfecho clichê. De sobremesa, Cláudio Torres deixa uma música-chiclete do Ramones tocar ao longo dos créditos finais e empurra uma moralzinha básica de que uma desilusão amorosa pode doer, mas também pode ser bastante engraçada. Que atire a primeira pedra quem nunca se sentiu um boboca depois de um fora.

NOTA: 9,0