Sabe, no pouco tempo que me sobra pra pensar eu andei avaliando que essa moda de reinvenção de personagens já está se tornando um tanto clichê. Deixe-me explicar: os produtores dizem que querem “atualizar” um personagem célebre para os novos tempos e de repente ele vira um herói de ação estilo John McClane, sem medo do perigo e disposto a arriscar sua vida muitas vezes por um motivo fútil. E aí vem a pergunta: será realmente necessário destruir a essência de um personagem, sua elegância retrô, seu caráter irrevogável, em prol do entretenimento lucrativo? Quando a reinvenção adéqua a mitologia aos tempos atuais a história é outra (vide os casos de Batman e Star Trek). Mas quanto aos personagens, vê-los transformados em brutamontes intelectuais é por demais estranho. James Bond e agora Sherlock Holmes que o digam. Se a onde é desmitificar o personagem não vai tardar para vermos Hercule Poirot (o sagaz detetive dos livros de Agatha Christie) sair na porrada com seus desafetos.
Sherlock Holmes pode até ser um caso extra. Desde que foi criado por Sir Arthur Conan Doyle que ele passa por transformações em outras mídias, seja no teatro, na TV, no cinema ou até mesmo na literatura. Só para citar exemplos recentes, ele já ganhou uma juventude acelerada em O Enigma da Pirâmide (filme de Barry Levinson de 1985), os maneirismos de um português em O xangô de Baker Street (livro de Jô Soares) e ganhou agilidade equivalente a astucia na história criada por Lionel Wigram na qual se baseia o novo filme do Guy Ritchie. Holmes na pele de Robert Downey Jr. ganhou certa americanização. De certo modo ainda é o mesmo Sherlock Holmes que conhecemos. Mora no apartamento 221B da Rua Baker, adora violino, fuma um cachimbo torto, é hábil no boxe, um exímio espadachim, é arrogante e presunçoso. Só que menos elegante e sisudo. Causa certa estranheza ver aquele detetive introspectivo se tornar um herói audacioso e por vezes trapalhão. E como um desequilibrado Downey Jr. mais uma vez tira de letra.
O doutor Watson também ganhou nova roupagem. No corpo de Jude Law ele deixa de ser o alívio cômico da dupla para, vejam só, se tornar o lado mais racional. Veterano de guerra, o médico agora não se esquiva de uma boa briga e não mede esforços para salvar seu amigo de alguma enrascada. E para não transformar o filme num produto para garotos, o diretor abre espaço para uma personagem feminina. A Irene Adler dos livros, antigo interesse romântico do detetive, ganha as curvas de Rachel McAdams. Só que agora sai a socialite fria e chantagista e entra no lugar uma ladra granfina, sensual e espevitada. Muda também a forma como Holmes a vê. Em vez de nutrir uma paixão platônica, agora ambos alimentam um sentimento forte de admiração recíproca, e chegam a soltar faíscas cada vez que encontram.
Apesar das mudanças de tom, Sherlock Holmes é um ótimo filme. Guy Ritchie tem um apuro técnico especial e o usa de forma genial em determinados momentos que, sem muita ousadia, não passariam de instantes banais. Em algumas cenas de briga, por exemplo, vemos como funciona a cabeça de Holmes ao estudar calculadamente cada movimento que irá fazer e a reação que o mesmo irá causar. A Inglaterra vitoriana de Guy Ritchie, em ápice da revolução industrial, é suja e caótica. Além de bastante sombria, graças à fotografia de Philippe Rousselot. Mas a trilha sonora eclética do mestre Hans Zimmer chega a torná-la festiva e bastante agitada. A trama gira em torno do vilão Lord Blackwood que assusta Londres com ocultismo e rituais satânicos. Cabe a Sherlock Holmes e ao Dr. Watson solucionar se esse mistério realmente envolve forças do mal ou é mero charlatanismo. A edição do filme é o seu maior trunfo, acompanhando o ritmo das observações e deduções do herói. As cenas de ação também não deixam a desejar, sendo bem movimentas e pinceladas com o humor involuntário típico do diretor. Sucesso nos cinemas e já com uma continuação nos trilhos (professor Moriaty vem aí!), Sherlock Holmes é assim: diferente e divertido. Ponto para o diretor que não perdeu as rédeas no comando de um blockbuster. E ainda conseguiu ser ele mesmo saindo da sombra do mais do mesmo. Eu disse que isso seria possível.
NOTA: 9,0
Sherlock Holmes pode até ser um caso extra. Desde que foi criado por Sir Arthur Conan Doyle que ele passa por transformações em outras mídias, seja no teatro, na TV, no cinema ou até mesmo na literatura. Só para citar exemplos recentes, ele já ganhou uma juventude acelerada em O Enigma da Pirâmide (filme de Barry Levinson de 1985), os maneirismos de um português em O xangô de Baker Street (livro de Jô Soares) e ganhou agilidade equivalente a astucia na história criada por Lionel Wigram na qual se baseia o novo filme do Guy Ritchie. Holmes na pele de Robert Downey Jr. ganhou certa americanização. De certo modo ainda é o mesmo Sherlock Holmes que conhecemos. Mora no apartamento 221B da Rua Baker, adora violino, fuma um cachimbo torto, é hábil no boxe, um exímio espadachim, é arrogante e presunçoso. Só que menos elegante e sisudo. Causa certa estranheza ver aquele detetive introspectivo se tornar um herói audacioso e por vezes trapalhão. E como um desequilibrado Downey Jr. mais uma vez tira de letra.
O doutor Watson também ganhou nova roupagem. No corpo de Jude Law ele deixa de ser o alívio cômico da dupla para, vejam só, se tornar o lado mais racional. Veterano de guerra, o médico agora não se esquiva de uma boa briga e não mede esforços para salvar seu amigo de alguma enrascada. E para não transformar o filme num produto para garotos, o diretor abre espaço para uma personagem feminina. A Irene Adler dos livros, antigo interesse romântico do detetive, ganha as curvas de Rachel McAdams. Só que agora sai a socialite fria e chantagista e entra no lugar uma ladra granfina, sensual e espevitada. Muda também a forma como Holmes a vê. Em vez de nutrir uma paixão platônica, agora ambos alimentam um sentimento forte de admiração recíproca, e chegam a soltar faíscas cada vez que encontram.
Apesar das mudanças de tom, Sherlock Holmes é um ótimo filme. Guy Ritchie tem um apuro técnico especial e o usa de forma genial em determinados momentos que, sem muita ousadia, não passariam de instantes banais. Em algumas cenas de briga, por exemplo, vemos como funciona a cabeça de Holmes ao estudar calculadamente cada movimento que irá fazer e a reação que o mesmo irá causar. A Inglaterra vitoriana de Guy Ritchie, em ápice da revolução industrial, é suja e caótica. Além de bastante sombria, graças à fotografia de Philippe Rousselot. Mas a trilha sonora eclética do mestre Hans Zimmer chega a torná-la festiva e bastante agitada. A trama gira em torno do vilão Lord Blackwood que assusta Londres com ocultismo e rituais satânicos. Cabe a Sherlock Holmes e ao Dr. Watson solucionar se esse mistério realmente envolve forças do mal ou é mero charlatanismo. A edição do filme é o seu maior trunfo, acompanhando o ritmo das observações e deduções do herói. As cenas de ação também não deixam a desejar, sendo bem movimentas e pinceladas com o humor involuntário típico do diretor. Sucesso nos cinemas e já com uma continuação nos trilhos (professor Moriaty vem aí!), Sherlock Holmes é assim: diferente e divertido. Ponto para o diretor que não perdeu as rédeas no comando de um blockbuster. E ainda conseguiu ser ele mesmo saindo da sombra do mais do mesmo. Eu disse que isso seria possível.
NOTA: 9,0