domingo, 28 de fevereiro de 2010

Bastardos Inglórios

Depois que Quentin Tarantino deu Pulp Fiction ao mundo (uma versão anabolizada de Cães de Aluguel), o público, ávido por aquele estilo verborrágico e violento, esperou ansioso por um novo aperfeiçoamento, um novo Tempo de Violência. Triste decepção quando Jackie Brown estreou – um filmão, diga-se de passagem. Seis anos de hiato até Kill Bill. E justamente depois dele o mundo já não sabe mais o que esperar da mente do diretor. O que vier então, será de enorme agrado.

Bastardos Inglórios é um deleite para qualquer amante do cinema. Não é ousadia dizer que é uma nova obra-prima do diretor. O filme é um atestado de competência, um certificado autenticado de maturidade. Da magistral cena de abertura ao irônico diálogo final, Tarantino se mostra cada vez afinado com a direção. E é impressionante como ele faz o filme que quer, sem ter que dar satisfação ou justificativa, querendo apenas ver aquilo que gosta e provar a si mesmo que consegue fazer uma obra melhor que a outra, independente do gênero. Tarantino é um gênio do cinema. Que me perdoem os amantes de Buñuel, Truffaut, Bergman, mestres incontestáveis da arte cinematográfica, mas o gênio em questão pertence a outro estilo, outra geração. Ele é um grande conhecedor da arte que, ao invés de reciclá-la em sua plenitude, reverencia o cinema B, um celeiro de idéias tão criativas quanto absurdas, mas nem por isso menos interessantes. Tarantino bebe da fonte de diretores cult, de mestres polêmicos e execrados. Tarantino consegue ser Kurosawa, Leone, Peckinpah e Scorsese sem jamais perder sua própria identidade. É atual e anacrônico quando quer.

Nesta fábula de guerra, Brad Pitt é o tenente Aldo Raine (um caipira canastrão sem uma gota sequer de glamour), líder de um grupo de rebeldes judeus que, distante e a parte do real enfoque da II Guerra Mundial, estão ali num propósito único e pessoal: matar o maior número de nazistas possível. O longa é dividido em capítulos que, vistos separados, poderiam funcionar como episódios individuais. Há sim conexão entre eles – um dá continuidade ao outro –, mas cada um tem detalhes que os tornam únicos, seja o ponto de vista, o estilo ou mesmo o modo como foram filmados. Tarantino capricha bem na ambientação em cada um deles. Sua câmera capta tudo, não deixa nada de fora ou fora de foco. Tarantino brinca de Kubrick a contento. Pudera, ele tem savoir-faire pra isso. A fotografia de Robert Richardson é aberta e límpida, destoando um pouco do que se normalmente exige de um filme de guerra. E a trilha sonora, como bem sabemos, é um personagem à parte nos filmes do diretor, que mistura os acordes de Enio Morricone com música erudita, marchas de guerra e David Bowie sem nunca soar absurdo. Cada música se encaixa perfeitamente na cena, como se tivesse sido criada exatamente para aquele momento. Os diálogos também são de uma fluidez fora do comum, nunca soando tediosos, mesmo em inglês, alemão, francês ou italiano. Há também a violência tarantinesca. Neste caso, longe de ser sádica, doentia ou exagerada, em Bastardos Inglórios ela é, por vezes, poética. O cinema de Quentin Tarantino é uma brincadeira só. E ainda há Christoph Waltz e Mélanie Laurent para roubarem a cena. O primeiro, no papel de um coronel da SS, é dono de qualquer seqüência em que esteja presente com um sarcasmo e cinismo brilhante. A segunda, no papel de uma gélida judia loira em busca de vingança, ilumina as cenas em que está presente com sua beleza. No fim Tarantino, mais uma vez, deu o melhor de si, subvertendo mais um gênero de forma especial. Seja com poesia, humor negro ou violência gráfica, Tarantino prova mais uma vez que é único e consegue fazer o que mais ninguém faz de forma genial. Uma pérola para se discutir durante longos dias nas rodas de amigos.

NOTA: 9,5

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Avatar

Quando James Cameron lançou O Segredo do Abismo há 20 anos, depois do sucesso de duas produções espetaculares, porém modestas, ele foi tachado de megalômano, ambicioso e louco. Jamais visionário. Cameron foi responsável por marcos no desenvolvimento de efeitos visuais no cinema. Deu vida a mais outras duas produções incrivelmente audaciosos até se tornar “Rei do Mundo” com Titanic, o maior sucesso da história do cinema. 12 anos se passaram desde então. Cameron fazia mistério sobre seu novo projeto. Foram 4 anos de produção intensa até o resultado final. Avatar surge nas salas de cinemas mundiais. E James Cameron, mais uma vez, criou um clássico. Não, risca isto. Cameron, mais uma vez, deu vida a um ser. E foi responsável por um divisor de águas do cinema moderno. Os cinemas convencional, digital e 3D nunca mais serão os mesmos depois de Avatar.

Em termos de narrativa Avatar não é nenhuma surpresa e é até, convenhamos, óbvio demais. É uma espécie de Dança com Lobos e O Último Samurai Sci-Fi. Cameron peca ao distinguir claramente os bons dos maus, deixando o roteiro com atmosfera infantil, além de abusar do romance deixando a história um tanto melosa. Mas no quesito visual, o diretor foi ao infinito e além. O mundo de Pandora é de uma perfeição inigualável. Em algumas cenas, tamanha a grandiosidade e a infinidade de detalhes minuciosos, é impossível não ficar boquiaberto. Cameron deu uma de Deus (na certa cansou de ser só “Rei”) e literalmente criou um mundo. O ecossistema de Pandora se assemelha um pouco ao da Terra, porém, sua fauna e sua flora, além claro da civilização nativa Na'vi, são de uma riqueza cristaliza e de um exotismo singular. Algo mágico. Um trabalho de design extraordinário. E visto que, com exceção dos atores, tudo foi criado por computador, chega até ser inacreditável que nada ali seja real de tão perfeito. E a fotografia digital do filme realça ainda mais a falta de limites entre o real e o quimérico.

Na trama simples, Jake Sully (Sam Worthington, perfeito e com uma brilhante carreira pela frente) é um ex-militar paraplégico que é levado ao planeta Pandora, habitado pelo povo Na'vi, raça humanóide com língua e cultura próprias, em substituição a sua irmão morto, para estudo e exploração do local. E nesse lugar ele acaba lutando pela própria sobrevivência e pela preservação desse povo. Além de Worthington, Cameron também conta com a presença de Sigourney Weaver no papel da Dra. Grace Augustine, uma cientista brilhante já familiarizada com os Na'vi. A presença dela deixa o filme mais seguro e humano. E ainda dá a Stephen Lang o papel de sua vida ao interpretar o coronel casca-grossa Miles Quaritch, o suposto vilão do filme. Bem, suposto porque é nítida a intenção do diretor/roteirista de passar uma mensagem ecológica. Já que ele criou um mundo, não quer que o mesmo seja maculado ou devastado, e só uma espécie irracional destruiria tamanha beleza natural. Daí é a raça humana que ostenta o papel de vilão com sua ganância e intolerância desmedidas. Em busca dos recursos naturais do planeta, os executivos burocratas e o exército americano não vêem problema em explorar e destruir a biodiversidade de Pandora. E eles terão o que querem, nem que para isso tenham que promover um genocídio coletivo. Cabe a Jake a tarefa de ser o contraponto pacifista, nem que tenha que abandonar seu lado humano e lutar ao lado dos nativos.

Cameron criou um filme longo por demais. Aos desavisados de seu estilo eloqüente e um tanto soberbo, o longa-metragem pode ser um pouco enfadonho, tornado-se empolgante depois de sua metade. Mas quem foi contemplar a mais nova obra-prima do diretor em sua íntegra, em sua essência, mesmo que não tenha sido em 3D, saiu do cinema mais que satisfeito. Cameron, além de saber trabalhar com efeitos especiais como nenhum outro diretor, é ótimo na condução de atores, lida bem com os dramas dos personagens e conduz cenas de ação com maestria. A cena da destruição da árvore da civilização e o clímax final são espetaculares. Nada novidade para quem dirigiu O Exterminador do Futuro 2 e True Lies. Cameron também não deixa que os efeitos compensem os defeitos. Nada é jogado ao acaso. Basta lembrar que em Titanic o romance entre Jack e Rose não era mero pano de fundo para a tragédia, mas o oposto. Avatar é um espetáculo visual, um marco na história do cinema. Um clássico a ser lembrado não somente por ser uma revolução técnica, mas um filme de história simples e tocante banhado com o mais alto brilho visual. A espera compensou. Nossos sinceros parabéns, James Cameron. E viva a tecnologia!

NOTA: 10