É bem verdade que o casamento amolece o homem. E a paternidade o torna um bobão. Pois é, até com Shrek, quem diria, isso aconteceu. De ícone a farsa em menos de uma década. Uma lastima. Shrek sem dúvida foi o desenho em CGI que mudou os conceitos estabelecidos até então ao subverter os contos de fadas transformando-os em piada. Depois dele os longas de animação começaram a apostar mais na comédia e nas lições de moral através da inversão de valores (afinal, anti-heróis e vilões também sofrem de crise de existencialismo). Só que resolveram levá-lo ao altar e dar-lhe três rebentos. Resultado: Shrek virou chacota de si mesmo. Shrek para Sempre deixa a sensação indigesta de que a franquia poderia ter acabado lá em 2007.O grande erro dos produtores neste suposto Capítulo Final foi se confiar demais no nome da franquia ao invés de bolarem uma história mais envolvente e criativa - como fizeram, por exemplo, com Toy Story 3. E também não observaram que a série já dava sinais de desgaste em Shrek Terceiro (culpa talvez da saída de Andrew Adamson da direção). Podem até ter corrigido alguns erros do longa anterior, todavia, a confiança exacerbada na “marca” gerou um produto sem convicção, com auto-estima demais, ambição demais (é o primeiro dos quatro em 3D) e desejo de agradar de menos. Aquele Shrek anarquista e grosseirão ficou no passado. O ogro agora tem uma vida pacata e enfastiosa igual a qualquer mortal que resolva casar e constituir família. Então, qual seria a aventura ideal para um cara pai de família e de vida nitidamente bucólica? Simples, tirando-lhe tudo e fazendo-o correr para recuperar. Ao moldarem o roteiro no melhor estilo A Felicidade Não se Compra, eles criaram uma trama excessivamente adulta com pouca diversão e sem trajetória consistente, com desenrolar óbvio e sem surpresas - Shrek quer apenas ter sua vidinha de volta. As crianças, não tão bobas quanto pensam, ficaram boiando.
O início do longa sintetiza bem isso ao mostrar o dia-a-dia da família Shrek. O que começa engraçado vai aos poucos se tornando cansativo e irritante, tanto para o ogro domado quanto para a platéia. Sem falar que o filme dá alguns pulos temporais estranhos (a trama começa realmente antes da parte dois e ignora a aventura anterior em partes). E ao entrar em cena o duende Rumpelstilskin, que guarda rancor do ogro por ele ter atrapalhado uma de suas falcatruas mágicas, nosso herói faz um pacto com o mesmo em troca de sua vida de solteiro por 24 horas. Mas o duende o engana e cria um mundo paralelo onde Shrek nunca nasceu, Fiona é líder de uma gangue de ogros rebeldes e o reino de Tão Tão Distante encontra-se em frangalhos. A partir daí a trama vira uma chatice só com Shrek tentando resgatar sua vida de volta ao descobrir, pasmem, que era feliz e não sabia. O diretor Mike Mitchell aposta bastante no romantismo para tentar agradar o público (só o beijo do amor verdadeiro trará tudo ao normal). E ao apostarem no duende traiçoeiro como vilão da vez, diretor e roteiristas esqueceram os pequenos fãs da série, já que seu nome impronunciável traria certa rejeição ao personagem.
O uso do 3D também não ajuda muito na fluidez da trama. As cenas de ação são meras desculpas para o efeito funcionar. E os personagens secundários ficaram a contragosto em segundo plano para que Shrek pudesse, novamente, fazer Fiona se apaixonar por ele. O Burro ficou insuportável e o Gato, agora sedentário e obeso, apenas repete seus cacoetes tão manjados. As poucas piadas às vezes funcionam bem. Há sim alguns momentos inspirados, como o fato das cúmplices de Rumpelstilskin terem TODAS as feições da Bruxa Má do Oeste de O Mágico de Oz (inclusive derreterem quando molhadas), a cena em que Shrek aproveita seu dia de ogro ao som de ‘Top of the World’ do The Carpenters, o moleque emburrado de voz rouca que pede insistentemente seu rugido e a inserção involuntária da música ‘Hello’ de Lionel Ritchie (acredite você vai rolar de rir!). Mas todo aquele cinismo e sarcasmo que fizeram a fama do ogro verde desapareceram, e quem agora ostenta a bandeira do politicamente incorreto é o amoral duende, de longe a melhor coisa do longa. Com um desfecho abusivamente otimista, Shrek para Sempre não fecha este último capítulo com chave de ouro. A série se encerra com um filme pouco divertido e meio desgostoso. Uma pena.
NOTA: 8,0
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