domingo, 29 de agosto de 2010

Shrek para Sempre

É bem verdade que o casamento amolece o homem. E a paternidade o torna um bobão. Pois é, até com Shrek, quem diria, isso aconteceu. De ícone a farsa em menos de uma década. Uma lastima. Shrek sem dúvida foi o desenho em CGI que mudou os conceitos estabelecidos até então ao subverter os contos de fadas transformando-os em piada. Depois dele os longas de animação começaram a apostar mais na comédia e nas lições de moral através da inversão de valores (afinal, anti-heróis e vilões também sofrem de crise de existencialismo). Só que resolveram levá-lo ao altar e dar-lhe três rebentos. Resultado: Shrek virou chacota de si mesmo. Shrek para Sempre deixa a sensação indigesta de que a franquia poderia ter acabado lá em 2007.

O grande erro dos produtores neste suposto Capítulo Final foi se confiar demais no nome da franquia ao invés de bolarem uma história mais envolvente e criativa - como fizeram, por exemplo, com Toy Story 3. E também não observaram que a série já dava sinais de desgaste em Shrek Terceiro (culpa talvez da saída de Andrew Adamson da direção). Podem até ter corrigido alguns erros do longa anterior, todavia, a confiança exacerbada na “marca” gerou um produto sem convicção, com auto-estima demais, ambição demais (é o primeiro dos quatro em 3D) e desejo de agradar de menos. Aquele Shrek anarquista e grosseirão ficou no passado. O ogro agora tem uma vida pacata e enfastiosa igual a qualquer mortal que resolva casar e constituir família. Então, qual seria a aventura ideal para um cara pai de família e de vida nitidamente bucólica? Simples, tirando-lhe tudo e fazendo-o correr para recuperar. Ao moldarem o roteiro no melhor estilo A Felicidade Não se Compra, eles criaram uma trama excessivamente adulta com pouca diversão e sem trajetória consistente, com desenrolar óbvio e sem surpresas - Shrek quer apenas ter sua vidinha de volta. As crianças, não tão bobas quanto pensam, ficaram boiando.

O início do longa sintetiza bem isso ao mostrar o dia-a-dia da família Shrek. O que começa engraçado vai aos poucos se tornando cansativo e irritante, tanto para o ogro domado quanto para a platéia. Sem falar que o filme dá alguns pulos temporais estranhos (a trama começa realmente antes da parte dois e ignora a aventura anterior em partes). E ao entrar em cena o duende Rumpelstilskin, que guarda rancor do ogro por ele ter atrapalhado uma de suas falcatruas mágicas, nosso herói faz um pacto com o mesmo em troca de sua vida de solteiro por 24 horas. Mas o duende o engana e cria um mundo paralelo onde Shrek nunca nasceu, Fiona é líder de uma gangue de ogros rebeldes e o reino de Tão Tão Distante encontra-se em frangalhos. A partir daí a trama vira uma chatice só com Shrek tentando resgatar sua vida de volta ao descobrir, pasmem, que era feliz e não sabia. O diretor Mike Mitchell aposta bastante no romantismo para tentar agradar o público (só o beijo do amor verdadeiro trará tudo ao normal). E ao apostarem no duende traiçoeiro como vilão da vez, diretor e roteiristas esqueceram os pequenos fãs da série, já que seu nome impronunciável traria certa rejeição ao personagem.

O uso do 3D também não ajuda muito na fluidez da trama. As cenas de ação são meras desculpas para o efeito funcionar. E os personagens secundários ficaram a contragosto em segundo plano para que Shrek pudesse, novamente, fazer Fiona se apaixonar por ele. O Burro ficou insuportável e o Gato, agora sedentário e obeso, apenas repete seus cacoetes tão manjados. As poucas piadas às vezes funcionam bem. Há sim alguns momentos inspirados, como o fato das cúmplices de Rumpelstilskin terem TODAS as feições da Bruxa Má do Oeste de O Mágico de Oz (inclusive derreterem quando molhadas), a cena em que Shrek aproveita seu dia de ogro ao som de ‘Top of the World’ do The Carpenters, o moleque emburrado de voz rouca que pede insistentemente seu rugido e a inserção involuntária da música ‘Hello’ de Lionel Ritchie (acredite você vai rolar de rir!). Mas todo aquele cinismo e sarcasmo que fizeram a fama do ogro verde desapareceram, e quem agora ostenta a bandeira do politicamente incorreto é o amoral duende, de longe a melhor coisa do longa. Com um desfecho abusivamente otimista, Shrek para Sempre não fecha este último capítulo com chave de ouro. A série se encerra com um filme pouco divertido e meio desgostoso. Uma pena.

NOTA: 8,0

Eclipse

Meus amigos costumam perguntar por que eu gasto meu dinheiro vendo os capítulos da saga Crepúsculo no cinema. Como resposta, e com a convicção de um doutor em sociologia, respondo que enfrentar a histeria hormonal coletiva é uma experiência antropológica. E é mesmo. Quando me dispus a assistir Eclipse, quase um mês depois de seu lançamento, todo o furor já havia passado. Mas ainda assim, com a sessão quase vazia, dava para sentir de forma sobrenatural os suspiros e gritinhos das meninas. E isto só prova uma coisa: os filmes dos vampirinhos apaixonados que brilham à luz do sol são realmente um fenômeno. E só são porque, como já havia dito antes, cada fotograma é milimetricamente programado para agradar seu público-alvo. Não há no texto conteúdo cerebral qualquer ou algum traço de liberdade criativa na direção. É tudo muito bonitinho, mas nem um pingo saudável. Como um hambúrguer de fast food. Eclipse não apresenta uma evolução esperada para continuações de uma série. É só mais do mesmo, mais uma vez. É impressionante como até certos enquadramentos são semelhantes com alguns dos outros capítulos. E mesmo sabendo que os filmes desagradam boa parte da ala masculina - aqueles que não vêem sentido ou explicação naquela novela mexicana travestida de filme de monstro, aprendi a vê-los de forma diferente: não os levando a sério. E, vamos ser francos, não há por que levá-los a sério. Tomei Eclipse por comédia-romântica (sério!). E visto por esta ótica, o filme se torna até bem divertido. Devo admitir que Eclipse seja sim o mais divertido dos três. Quando o diretor David Slade assumiu o comando deste episódio, surgiu a esperança (vã) de que, pelo currículo do cara (é dele o sangrento 30 Dias de Noite), a saga tomasse um rumo surpreendente ou inesperado. Mas não. Como é um produto de estúdio, nada de sangue jorrando ou altas doses de adrenalina, apenas romance capenga e piegas com algumas pitadas de ação parca e um blábláblá explicativo desnecessário que menospreza a inteligência da platéia (se é que há vida inteligente dentre os fãs de Crepúsculo). Resumindo, tudo muito asséptico num filme ruim que se acha cool. David Slade por sua vez, tendo suas artérias e veias rompidas hemostasiadas, tratou de compensar sua frustração inserindo piadas ácidas que, de certo modo, só fariam sentido para aqueles que se sentem nauseados com os devaneios apaixonados de Edward e Bella. Alguns diálogos ainda continuam intragáveis, mas as piadinhas com os adolescentes valem o ingresso. O filme também não desperta tensão e nem procura dar raciocínio lógico aos acontecimentos. A cena de abertura atesta bem isto: é escura, mal editada e sem sentido aparente. A partir daí começa uma ciranda de bons contra maus misturada com romance casto e briga de egos narcisistas. Slade também não diz a que veio e, como um gato castrado, só mantém a preguiça dos longas anteriores. Tudo é mastigado demais (mesmo sabendo que o texto foi limado ao extremo), há closes dispensáveis, travellings sem sentido, a edição é por vezes acelerada e a trilha é pop deprê demais. Mas num filme feito para adolescentes, quem vai ligar pra isso? Mesmo assim há momentos de pura diversão. Momentos que antes causavam um embrulho no estômago por serem tão clichês acabam provocando um riso involuntário, como nas cenas do beijo roubado, do pedido de casamento e quando Bella se declara para Jacob. É realmente difícil conter a gargalhada. Falando em Jacob, olha, parece que o sucesso mexeu com a cabeça de Taylor Lautner. Com seu personagem mais convencido e prepotente, ele próprio se tornara assim. Sendo ele um péssimo ator, faz caras e bocas e expressões corporais como se estivesse atuando numa peça de Tennessee Williams. Coitado. Agora, desperdício de talento foi colocar a Bryce Dallas Howard no papel da ruiva Victoria e dar-lhe meros 20 minutos totais ao longo de quase 2 horas de filme. Por fim Eclipse continua sendo um monte de cocô. Só que dessa vez o colocaram num saco e jogaram no meio de uma sala lotada. Ainda causa nojo e repulsa, mas acabou sendo engraçado da forma como foi armado. Boa sorte Bill Condon! NOTA: 8,0

Toy Story 3

Eu chorei. Realmente o final de Toy Story 3 me fez chorar. É, mas acho que não fui o único. Sou até ousado em dizer que o adulto que não chorou das duas uma: ou não teve infância ou nunca teve um amigo de verdade. Isto é a Pixar, mais uma vez fazendo história e entrando para a história. Toy Story 3 é a primeira terceira parte de uma trilogia que não se utiliza da trama como mero fechamento de arco, pelo contrário, usa esta desculpa em benefício próprio para criar um desenrolar tão ou mais envolvente que o das aventuras anteriores, e de quebra se tornou a maior bilheteria do estúdio. Depois da obra-prima que foi Up - Altas Aventuras, a Pixar ensaiou um filme menor que ganhou altas proporções e emocionou mais que todos os outros.

Confesso que nunca vi muito sentido na produção de um Toy Story 3, principalmente quando a Disney em 2005, numa jogada desleal, anunciou que lançaria o filme sem o aval e a produção da Pixar. Meses depois a empresa de Steve Jobbs seria comprada pelo estúdio do Mickey por 7,4 bilhões, a parceria se consolidaria de vez e o assunto estava encerrado. Entretanto, a própria Pixar depois anunciaria a produção da nova aventura. Então, o que esperar desse novo encontro de Woody, Buzz e seus amigos sem o comando de John Lasseter? E sabendo que Toy Story 2 já tinha, de certo modo, concluído a série de forma perfeita. O diretor Lee Unkrich, co-diretor da parte dois, manteve o espaço de 10 anos que separa os dois capítulos na cronologia da história e levou a aventura para um caminho óbvio, porém instigante: o que aconteceria com os brinquedos quando Andy crescesse? E é justamente nesta premissa simples que reside toda a grandiosidade do longa. Unkrich direciona a história dos brinquedos para os adultos que há muito deixaram de brincar, sem esquecer de agradar as crianças que aprenderam a amar o caubói Woody e o patrulheiro do espaço Buzz graças a seus pais - que voltaram a ser criança em 1995 quando o primeiro Toy Story foi lançado.

A abertura do filme é simplesmente genial, com muita ação, emoção e humor mostrando a fundo como funciona a imaginação de uma criança brincando. Não se assuste caso você saiba os diálogos de cor porque eles remetem a abertura do primeiro longa, só que de forma mais inovadora. Os minutos iniciais também servem para provar que a Pixar tem força de peitar qualquer blockbuster do verão, não deixando a desejar perto de nenhum. E após vermos Andy em um momento de euforia absoluta com seus brinquedos, em alguns segundos o vemos crescer e se tornar um adolescente às vésperas de ir para a faculdade. Na verdade este segmento é uma brincadeira do diretor que sintetiza o passar dos anos, expondo bem o crescimento de Andy em comparação com o crescimento do estúdio num velho dizer dos pais de que “os filhos crescem sem que a gente perceba”.

Os heróis de Toy Story, postos a serem guardados para o resto da vida, mais uma vez lidam com dilemas humanos como abandono, exclusão e agora são obrigados a se adaptar às mudanças da vida, tendo ainda a amizade como foco principal. Com exceção de Woody, todos os brinquedos aceitam que Andy cresceu e vêem na creche Sunnyside a oportunidade de se sentirem novamente “vivos” brincando com crianças. O caubói destemido acaba indo por engano para a casa da menina Boonie e redescobre o prazer de brincar ao mesmo tempo em que vê seus amigos em apuros - a creche é mantida em regime ditatorial pelo vilão mais improvável do mundo, um urso de pelúcia cor-de-rosa que cheira a morango chamado Lotso (a cena que explica como Lotso surtou é ao mesmo tempo comovente e assustadora). Woody parte em resgate de seus amigos e descobre que sair de Sunnyside é tão intricado quanto fugir de alcatraz. Toy Story 3 vai numa crescente alternado momentos hilários (qualquer cena com o boneco Ken ou com Buzz no “modo latino”) e cenas de encher os olhos, culminando num clímax espetacular com direto a muita ação, reviravoltas chocantes e um instante de desesperança. A Pixar sabe bem como mexer com as emoções da platéia. E ao chegar ao seu desfecho, Toy Story 3 coroa o fechamento da trilogia com um epílogo de cortar o coração. A lição deixada (para os adultos), apesar do ‘crescer é inevitável’, é que mesmo na hora do adeus, nunca se é tarde para uma última vez. E que brincar e ser criança é uma delícia. Não se envergonhe se você vier às lágrimas, esta foi a intenção. Ser feliz não tem idade. E a Pixar, mais uma vez, provou que existe para fazer o público feliz.

NOTA: 9,5

Fúria de Titãs

Normalmente quando se pensa em fazer um remake de algum filme há sempre alguma justificativa racional para tal feito. Seja melhorar seu próprio trabalho (como Alfred Hitchcock fez com o seu O Homem que Sabia Demais), atualizar a história para as novas gerações (o que normalmente ocorre com filmes de terror, para a fúria dos fãs dos originais), modernização dos personagens (corriqueiro com séries de TV e franquias como Star Trek) ou mesmo novas versões completas de histórias ou livros já adaptados (como A Fantástica Fábrica de Chocolate, por exemplo). Mas, por incrível que pareça, existem remakes que não cabem em nenhuma dessas justificativas acima, ou seja, não existem razões cabíveis para sua existência. É uma refilmagem desnecessária. Cá estamos com Fúria de Titãs.

O filme de 1981, produzido pelo mestre Ray Harryhausen, pode até ser ultrapassado e kitsh para os dias de hoje, mas tem lá o seu charme. É um filme-pipoca daquele tempo. Daí não havia por que refazer a adaptação livre da saga de Perseu contra a ira dos deuses do Olimpo para salvar a princesa Andrômeda. Mas como em Hollywood tudo gira em torno do dinheiro, filmes perdem seu valor histórico para se tornarem peças de um jogo de Monopólio. Certos longas-metragens não precisam ser reapresentados a ninguém com nova roupagem. Quem quiser vê-lo que busque o original! É mais ou menos como ter que reescrever um livro famoso porque a linguagem usada não se enquadra no rebuscamento de hoje em dia. Bom, como todo esse discurso preservacionista não vai dar em lugar algum, vamos ao que interessa. Longe de ser um filme canhestro como O Dia em que a Terra Parou (outra refilmagem sem fundamento e justificativa), Fúria de Titãs até que diverte. Não pela história em si, mas pelos efeitos especiais impressionantes. No geral é um filme visivelmente exuberante, mas vazio de conteúdo.

Fúria de Titãs agrada desagradando. É um filme-pipoca na aplicação mais abrangente do termo, que consegue desgostar até aquele que resolveu deixar o cérebro em casa. O diretor Louis Leterrier com seu apuro técnico eloqüente é até bem intencionado (igual como fez em O Incrível Hulk), mas aqui, trabalhando como diretor de aluguel, se torna mero coadjuvante anti a ganância dos engravatados do estúdio em criar um samba-do-semi-deus-doido. A jornada do filme original está lá, só que o pretexto agora é outro. Sai o amor que Perseu tinha por Andrômeda e entra a vingança. Para bom entendedor, a modernização faz apologia à violência. Ao invés de ter que salvar o amor de sua vida, Perseu agora enfrenta os deuses (que observam tudo de um Olimpo celestial usando armaduras saídas da saga Os Cavaleiros do Zodíaco) para mostrar que é macho. Sai a canastrice do ator Harry Hamlin e entre o carisma de Sam Worthington. Bom ator e em franca ascensão na carreira, Worthington interpreta um Perseu bombado e carrancudo que mais parece um Pit Boy mitológico querendo descer o sarrafo em tudo e em todos que cruzarem o seu caminho. Rosna e profere algumas frases agressivas chegando a parecer um cão ensandecido prestes a avançar em alguém. E justamente por conta disto Fúria de Titãs se torna um filme rotulado, feito exclusivamente para a ala masculina - a testosterona que exala da tela chega a dar nojo. As mulheres do elenco são meros objetos de figuração em cena. Alexa Davalos como Andrômeda balbucia algumas frases e mantém a cada close uma inexpressiva cara sôfrega. Já Gemma Arterton até tenta ganhar espaço em cena como a imortal Io, mas não consegue fazer outra expressão senão a de uma boneca de porcelana.

Com relação ao restante do elenco, Liam Neeson não é nenhum Laurence Olivier, mas segura bem as pontas como Zeus. Mas é Ralph Fiennes quem rouba o filme cada vez que entra em cena como Hades. O ator mais uma vez dá vida a um vilão memorável. As cenas de ação também convencem apesar de às vezes serem desnecessariamente prolongadas, com destaque para o clímax gigantesco com o Kraken. E mesmo com a intenção de ser algo envolvente, o filme invariavelmente contém situações sem graça e apresenta algumas liberdades poéticas que profanam a mitologia - Andrômeda, por exemplo, foi acorrentada e não amarrada e içada. No fim fica a sensação de ter sido enganado. Fúria de Titãs entrete mas não empolga o suficiente. É como uma mulher bonita e burra. Você até fica com ela, mas a esquece depois de uma boa noite de sono.

NOTA: 8,0

Alice no País das Maravilhas

Cada vez que o diretor Tim Burton anuncia um novo projeto os críticos o desmoralizam antecipadamente, prenunciando que terá Johnny Depp, será colorido demais, ou sombrio demais, e, como bem se sabe, terá sua visão subversiva particular. Qualquer cinéfilo que se preze sabe que nada disto é bobagem. E Burton já tem experiência suficiente para não precisar provar mais nada pra ninguém. Se todos já sabem que sua visão artística singular altamente criativa é admirada e venerada por muitos, os estúdios agora o querem como objeto de luxo. Quando anunciou que faria uma versão de Alice no País das Maravilhas muita gente não viu a idéia com bons olhos. Porém, adentrando um pouco nas maluquices do mundo criado por Lewis Carroll, não há porque negar que este seria um projeto ideal para ele. Burton fez a lição de casa mais uma vez. O que ninguém imaginava era que ficasse tão bom.

Como fã dos trabalhos do diretor, confesso que nunca ignorei nenhum deles, por mais non sense que fosse (por exemplo, eu adoro Marte Ataca!). Mas como qualquer fã, também reclamo do fato de Burton dever uma obra original desde Ed Wood (ou desde Edward - Mãos de Tesoura). Alice no País das Maravilhas é uma típica obra de Tim Burton. Estão lá as cores berrantes em contraponto a estética soturna, os personagens bizarros, os cenários extravagantes, Danny Elfman no comando da trilha sonora e, claro, Johnny Depp e Helena Bonham-Carter. Para você que só conhece as aventuras de Alice do desenho da Disney de 1951, guarde essa lembrança bem escondida. A Alice de Tim Burton é uma espécie de continuação livre dos livros. Passados mais de 10 anos desde a última vez que visitou o País das Maravilhas, Alice, agora com 19 anos, descobre que está prestes a ser pedida em casamento. A partir deste início Burton criou uma obra íntima de visual suntuoso. Ao se aproveitar de um trocadilho gerado confusamente por Alice quando criança para definir aquele lugar mágico e exótico (a pequena o denominava Wonderland, sendo que na verdade ele se chama Underland, ou mundo subterrâneo), o diretor criou um mundo assustadoramente sombrio, tornando-o ainda mais excêntrico e ostensivo.

Alice (interpretada com carinho pela jovem Mia Wasikowska) é a típica heroína do diretor: descolada, contestadora, meio gótica e indecisa, tal qual a Lídia de Winona Rider em Os Fantasmas se Divertem. Nos minutos iniciais, quando a conhecemos, ela é taxada de sonhadora e rebelde por todos. Alice não quer que lhe imponham a felicidade, ela quer encontrá-la sozinha, esteja onde estiver. E ao cair novamente naquele mundo fantástico entrando pela Toca do Coelho Branco e tendo como missão reergue-lo das cinzas deixadas pela tirania da Rainha de Copas (Helena Bonham-Carter, bizarra), Alice talvez não a encontre, mas certamente tomará essa nova jornada como parte de seu amadurecimento, para assim definir o que quer e quem será no mundo real.

Burton também fez algumas mudanças em relação a alguns personagens. O Valete (interpretado por um Crispin Glover irreconhecível) virou um algoz impetuoso, enquanto o Chapeleiro Maluco faz as vezes de âncora da trama (afinal, ele é Depp!). Este último, digamos que seja um amálgama de todos os personagens interpretados por Johnny Depp sob a tutela de Burton. Os nuances e trejeitos dos papéis anteriores são repetidos quase que insistentemente pelo ator. Mas não tiram a mágica do personagem, ao contrário, o engrandece. E em meio a tantos pixels e maquiagens exageradas, a Rainha Branca de Anne Hathaway é quem mais se destaca. Excedendo-se o Gato Risonho, ela é a personagem mais engraçada do filme com uma afetação acima do normal. E no caminhar da história, Alice ruma ao seu destino messiânico para enfrentar o Jaguadarte no tabuleiro de xadrez, numa batalha entre peças e cartas, naquele que é o mais impressionante clímax de um filme do diretor, tendo destaque a homenagem a outro filme da Disney, A Bela Adormecida. Severamente malhado pela crítica como uma bobagem de visual delirante, Alice no País das Maravilhas é muito mais do que bordam. É um filme divertido e empolgante, de visual único com as características de seu realizador. Merece um pouco mais de respeito e carinho. Valeu cada centavo de seu investimento e faz jus a todo sucesso que obteve.

NOTA: 9,5